Diário de uma viagem
Há uns dias os alunos/as e a professora e o professor de português desta escola fizemos uma viagem de estudos a Chaves e Montalegre, em Trás-os-Montes. A excursão gerou muitas expetativas e eu acho que elas se cumpriram.
O trato dos nossos anfitriões foi agradável. Eles e as pessoas da rua até colaboraram na resolução das nossas "brincadeiras". Nem o frio gélido que decapitou todas as couves de Chaves no impediu de falar, passear, fotografar ou petiscar; nem o vento hirto do planalto de Montalegre evitou trilharmos alguma possível rota do contrabando.
Quanto ao grupo, partimos de autocarro vinte pessoas, para sermos finalmente vinte e uma. Embora fôssemos muitas de nós desconhecidas, logo nos demos bem. Estavam as "mamães" de nível avançado com as suas família, que se integraram como qualquer outro aluno. Não faltou o grupo dos "sensatos", os que nunca deixaram de falar português: foi a turma do "futuro de conjuntivo". Também não esqueçamos "as meninas", que amenizaram a vida de alguém que foi ouvir a rádio e voltou a fazê-la. Houve, aliás, alguma individualidade que de forma célere sintonizou com o grupo. A isto ajudou a atividade-brincadeira concebida pelos professores, que nos dividiram em grupos, após misturarem-nos, para apanhar certas informações dos autóctones. Consequentemente, os objetivos foram conseguidos: interação total da turma e imersão linguística.
Por sua vez, os professores fizeram parte do bando desde o primeiro momento em igualdade de condições, mas com a preocupação que dá a responsabilidade. Iludiram-se: pretendiam que TUDO se ressolvesse conforme o planificado, marcado e combinado. Assim sendo em geral, com atividades desfrutadas como as visitas ao museu de Chaves, à ponte romana sobre o Tâmega, ao Ecomuseu de Montalegre, a Tourém, à rádio ou as refeições e saídas noturnas compartilhadas. Porém, fracassou uma!, ironicamente a mais "etílica" de todas. O azar quer exercer a sua parte: não concordávamos com o Mia Couto -ver artigo colado neste blogue- em que o espírito lusófono-galaico acreditava naquele destino ativo e operativo à margem das nossas decisões? Não podemos, no entanto, negar que esse destino se revela às vezes muito resoluto e mesmo criativo.
Com certeza o assunto do Norberto e, se calhar também, o do homem-orquestra, têm a sua origem nas linhas caprichosas do acaso.
Se perguntarmos a qualquer excursionista o que recorda a esta altura com mais intensidade da sua viagem, certamente haverá vários que coincidam em assinalar a Taberna do Machado. A ninguém lhe foi indiferente, quer pelo frio que experimentou lá, quer pelo pica-pau e a incerta taberneira, ou então pela figura do Norberto e seu irmão.
Ora bem, o Norberto puxa por episódio próprio. Esse homem na casa dos 75 anos, que tanto sabe da rafa da vida: trabalho desde criança, o exílio económico, a vida militar, a evocação da juventude, a velhice, a saudade de Lisboa... O lusitano sentiu-se escutado por uma multidão alheia, que é melhor público porque te permite falar livremente, pois nada tem para te reprovar. Ele armou-se em protagonista da Taberna do Machado e fraternizou com muitas pessoas, mas especialmente com o adolescente, num diálogo particular.
Em certa medida, também tivemos uma surpresa com o condutor do autocarro, se bem que a empresa já tivesse sido escolhida pelo seu conhecimento da zona. Contudo, ninguém estava à espera de um motorista com alto-falante em riste a falar, quer de Montalegre, de Ourense ou de Lugo; quer de altitude, de mamoas, do Larouco ou do Picato. Tudo com uma paixão contagiosa, que lhe valeu o qualificativo de Homem-orquestra, e logo foi engolido pela turma. Eis os 21!
Em conclusão, durante um fim de semana a nova turma de português esteve a olhar, gostar, adorar, combinar, partilhar, experimentar... O que é que faltou? Faltou tempo. E por ora esse problema não o arruma ninguém, enquanto "tempus fugit".
Cumprimentos
Uma passageira
Maria Tareixa de Castro
(Aluna de português na EOI)