A ILHA DAS FLORES
Apaixonei-me por ela a primeira vez que a vi, do autocarro onde eu trabalho. É uma mulher muito bonita, a mulher mais bonita que eu nunca vi, tão bela coma o céu da Ilha das Flores e de todos os Açores.
Voltei a vê-la uma e outra vez, cada vez que ela vinha buscar as cartas de correio que eu transportava, para dar a todos os habitantes de Seia. Aguardava com desejo que chegasse a manhã do dia seguinte para recorrer os poucos quilómetros que separavam Maia de Seia, as duas vilas da ilha.
Era uma ilha muito pequena, com muitas praias e cabos, todos eles com nomes de árvores e flores, e uma floresta verde e viva, tão verde que a cor é percebida desde espaços muito afastados. Há também uma igreja e um faro que mostra o caminho a quem não o topa.
Não sabia nada dela, nem o nome, nem se era casada ou solteira. Depois de muitos meses vendo-a, atrevi-me a falar com ela. Já não podia aguardar mais, ardia por dentro em desejos de ouvir-lhe a voz. Para isso, escrevi uma carta. Asim, duma das veces que lhe levava o correio da gente da vila, entreguei-lhe uma para ela no meio das outras. Quando ela revisou as cartas e viu o bilhete a ela dirigida, levou uma grande surpresa. Não aguardava notícias de ninguém, e aquela nota surpreendeu-a. Tempo depois disse-me que a lera uma e outra vez e não se cansara. As palabras que ali escrevera amosavam a um menino namorado coma nunca antes o fizera, mas também um convite para combinar nalgum lugar da ilha.
Cláudia, que assim se chama, respondeu-me à carta no dia seguinte. Aceitava o convite para tomar café no porto, a zona mais turística da ilha. Quando apareceu, fiquei espantado, estava bela, com o seu cabelo longo e preto, e um vestido vermelho que reluzia por onde passava. Falamos e falamos durante horas, até bem chegada a noite. Mais tarde, passeamos pela praia do Porto e a Praia das Hortênsias, e à meia-noite, levei-a a um sítio mágico, onde me agachava de menino quando jogava com os camaradas, e onde ia ouvir o mar, quando me sentia estressado ou agoniado. Era o Cabo Loureiro, baixo duma árvore milenar.
Falámos de nós, dos nossos gostos, da família...até que chegou o amanhecer e decidimos ir cada um para a sua morada.
Teria gostado de ir com ela para acompanhá-la, mas o nosso era um segredo que ninguém devia saber, já que ela tinha um namorado que estava no exterior estudando e não podia ser...
De caminho para casa ia pensando nos seus doces lábios com o seu sorriso, e querendo retornar a vê-la e poder convida-la ao jantar. Na segunda-feira, ela voltou a procurar as letras, tão bonita como sempre e decidi convida-la para jantar à noite, no nosso lugar segredo baixo a árvore milenar, e ela aceitou.Passei toda a manhã e a tarde preparando o jantar, até que chegou a hora.
A noite estava estrelada; estava calor e de fundo ouviam-se as ondas do mar bater contra as rochas.
Cláudia apareceu. Sentámos sobre o tapete e começámos a falar. Os dois estávamos muito próximos, eu podia sentir o meu corpo quando de repente senti os seus suaves lábios com os meus.
As horas passavam e eu sentia-me mais confortável com ela, não queria que a noite terminasse jamais. Eu queria passar o resto da minha vida com ela.
Doente de valor, disse-lhe que queria estar com ela sem ter de esconder-me sempre, porque eu a queria.
Cláudia respondeu-me que ela também me queria, mas não podia deixar o seu namorado porque tinha medo pelo que se pudesse passar com as pessoas da vila, e porque os seus pais se iam opor. Num mês retornaria Vítor a Seia, e o nosso teria que acabar aqui. Tudo voltaria à vida normal sem ele. Nos dias seguintes, não nos voltamos ver... eu não tinha vontade de fazer nada, quase não saía.
À noite saÍa passear até à praia do porto, pensando no que acontecera... Uma das noites, quando estava no cabo da Rocha a ver a agradável noite estrelada, pensando na Cláudia, aproximou-se o guarda da vila, André.
André era uma pessoa, sem nenhuma dúvida, especial. Rodeado de um halo de misticismo, passava as horas no farol da Ilha das Flores, olhando ao horizonte. Na vila circulavam muitas lendas sobre ele; a gente dizia que André era sobrevivente duma forte tempestade no oceano, que chegara à ilha mais morto que vivo, e que tinha tanto medo do mar que não pudera voltar à sua casa. O marinheiro que não podia fazer-se ao mar: a sua causa e a sua condenação.
- Não sofras, era um amor impossível, diz André
Eu estava ensimesmado nos meus pensamentos e não respondi
- Ela nunca deixaria o Vítor, é uma pessoa de lei.
- Uma pessoa de lei não é covarde.
- Achas que é covarde renunciar à própria felicidade para tratar dum moribundo?
- O que é que diz?
- Vitor, o casal da Cláudia está muito doente. Ela nunca poderia deixá-lo.
Nesse instante, morria de vontade de sair correndo. Correr e correr, atravessar o monte Azereiro, passar a praia dos Cravos e o bosque da lagoa preta. Entrar em Seia, percorrer as suas ruas, chegar à sua casa e declarar-me sob a luz do luar. Mas não fiz.
Tempo depois, ouvi que a Cláudia já não estava na ilha.
Fazia muito que não me dava ao luxo de pensar nela. Não sei nem como nem porquê, quando dei conta estava no cabo de Loureiro, à frente da nossa árvore.
De súbito, descobri algo gravado: “no tiro certeiro vai sempre algo de quem dispara”.
Fiquei sossegado. Agora sabia que tomara a decisão adequada. Se calhar, o destino dos habitantes da Ilha das Flores era não encontrar o amor, nem André e o mar, nem eu e a Cláudia