Desconfiem do que está a passar na comunicação social nestes dias, é tudo distração e lavagem cerebral. A verdadeira história do Códex Calixtinus é a que Beatriz, Virgínia e Javier, do básico integrado, começaram a contar muitos meses antes - e que podem ler em episódios anteriores deste blogue.
Eis o terceiro episódio da saga. Três lugueses chegam a uma ilha no meio do Atlântico e descobrem lá uns parentes doutrora.
Na água havia moreia elétricas...- Descrição da ilha: relevo, clima, etc.
Era
uma ilha muito bela, mas tudo o que tinha de bela, tinha-o de
perigosa. Na água havia moreias elétricas que estragaram o motor do
barco e não pudemos avançar. Nesse momento, também um tubarão
mordeu e furou o barco, e ao longe vinha a baleia que o engoliria.
Estávamos a morrer de medo, era o fim da nossa comprida viagem, mas
por sorte a baleia gostara de conhecer a Andreia e a Valeria; foi por
isso que a baleia nos ajudou a ficar em terra, carregando com o barco
à costas através das ondas.
Depois,
ao chegar à ilha, no início não fazíamos ideia se era a que
procurávamos no mapa. Estava coberta de brêtema e nevoeiro.
Acho
que já passaram
três semanas
desde a nossa chegada a esta formosa
ilha, a décima dos Açores. As pessoas da ilha são muito boas e
bondadosas, mas a nossa roupa e o nosso barco eram muito estranhos
para eles, e para nós o deles também,
não percebíamos
nada. Se calhar, quando a baleia nos engoliu entramos numa cápsula
do tempo.
Estamos
muito longe da nossa casa, temos a ideia de voltar algum dia para
devolver o Códice Calixtino à Catedral de Santiago, mas não
sabemos exatamente quando, gostamos de viver aqui. Além disso, é
preciso um tempo para que o Diogo arrume o barco com ferramentas tão
antigas, e também para abrir o negócio.
Os
ilhéus levaram uma grande alegria ao saber que éramos de Lugo. Não
pararam de nos fazer perguntas: quais eram os nossos antepassados, se
a Muralha Romana e o Castro de Viladonga continuavam em pé ….. mas
um bocadinho depois, soubemos que eles são celtas da zona de Lugo e
que fugiram dos romanos envoltos em vários ferrados de brêtema e
nevoeiro, e que partiram para o mar.
As
conversas entre os ilhéus e nós eram frequentes. No início, a
comunicação era difícil, pois apesar de que os ilhéus falavam uma
língua semelhante ao galego, o vocabulário era muito mais primitivo
e a pronúncia mais fechada. Contudo, chegamos a entender-nos após
horas de falar e muita força de vontade. Assim, os visitantes
soubemos da vida quotidiana dos ilhéus. Eram umas pessoas
semelhantes a nós, se calhar um pouco mais baixas e mais atléticas,
pois passavam o dia a pescar, a apanhar fruta e legumes e a cuidar
dos animais.
Na
ilha havia por volta de duzentos habitantes que moravam nuns castros
que ficavam ao abrigo dumas montanhas; umas montanhas que os ilhéus
trouxeram com eles desde o Courel há dois mil anos, e que inclusive
tinham neve no cume. Nas montanhas nascia um rio que atravessava toda
a ilha, desembocando num formoso delta. O rio semelhava tranquilo,
mas no seu interior guardava um perigoso segredo: estava cheio de
moreias elétricas! Os ilhéus, com muita imaginação, tiram
proveito destas estranhas criaturas, e com a ajuda dum arame submerso
na água convertem as descargas dos animais em eletricidade para a
vila.
Perto
da vila havia uma pequena lagoa de água doce, onde um delfim ficara
preso durante uma forte tormenta. A lagoa tinha um encanto especial,
que fazia que todos passássemos horas a olhar para ela, mas por
razões bem distintas. Eu, o Diogo e o Telmo gostávamos de ver as
ilhoas nadar nuas, a Ana pensava em construir um hotel ao lado e
Andreia e a Valéria traçavam um projeto para libertar o golfinho.
A
sul da lagoa ficavam o delta e umas praias muito belas, de areia
dourada e fina que os ilhéus trouxeram consigo da desembocadura do
rio Minho. Nas praias viviam umas tartarugas enormes que costumavam
brincar com os meninos, mas tinham medo dos homens porque as caçavam.
Ao outro lado do rio, a vegetação era a original da ilha, pois ali
os nossos novos amigos não plantaram nada nem levaram nenhum animal.
Semelhava que ali havia uma formosa selva, cheia de plantas e animais
desconhecidos que atiravam a nossa atenção. Mas o chefe da vila
advertiu-nos de não atravessar o rio porque a floresta estava cheia
de perigos desconhecidos para nós.
Os
ilhéus acordavam ao amanhecer, levantavam-se e iam todos se lavar à
lagoa. Depois, alguns davam comida ao gado: porcos celtas,
tetrazes-grandes, cervos e vacas ruivas das montanhas de Lugo que
trouxeram os seus antepassados naquela peculiar arca de Noé,
enquanto outros cozinhavam o pequeno-almoço. Nós fomos convidados a
dormir na casa do chefe da aldeia, pois era o maior castro de toda a
ilha. Éramos uns privilegiados porque a melhor comida sempre a
levavam para a casa do chefe e nós só tínhamos que levantar-nos e
esperar a que um ilhéu no-la trouxesse.
De
manhã, a vida na vila era frenética; enquanto os homens mais fortes
saíam caçar e pescar, as mulheres e os meninos apanhavam frutas e
legumes que havia nos quintais por trás dos últimos castros; os
velhos faziam cestas com juncos ou limpavam as ruas, e outros faziam
e arranjavam ferramentas para a caça e a cultura. Na primeira semana
tentamos caçar com eles, mas era um trabalho difícil e perigoso, e
logo nos mandaram ficar na vila e ajudar nos quintais. A Andreia e a
Valéria cuidavam o gado e ensinavam aos ilhéus o melhor para o
alimentar e curar-lhe as doenças.
Ao
meio-dia, os caçadores, pescadores e recoletores voltavam para a
aldeia com tudo o que conseguiram, depois lavavam as frutas e
despedaçavam os animais e peixes que comiam ao almoço. Se sobrava
algo numa família, trocavam-no por outra coisa que precisassem no
mercado que havia na vila. O mercado do meio-dia era o que marcava o
ritmo da vida na vila: nele trocavam-se alimentos e peças de
artesanato, cozinhava-se e comia-se o almoço, e falava-se de tudo:
do que fizeram de manhã, se havia animais enfermos, se algum castro
precisava reparação, etc. Depois do almoço, os insulanos dormiam a
sesta, pois pela tarde fazia muito calor. Enquanto eles dormiam, nós
passeávamos para descobrir a ilha, desfrutar das suas paisagens, ou
nadar na lagoa ou no mar. Costumávamos falar sobre os antigos
celtas.
Ao
entardecer, a vida começava de novo na aldeia: os meninos brincavam
pelas ruas; os adultos ensinavam os novos a fazer lanças para a
caça, olas para cozinhar, a plantar sementes... e os velhos iam de
castro em castro contando antigas lendas sobre uma terra chamada
Galiza, a dos seus antepassados. Nesses momentos, o Diogo reparava o
nosso barco; eu, a Ana e o Telmo pensávamos em como construir um
hotel nessa ilha mágica; e a Andreia e a Valéria tentavam uma e
outra vez libertar o delfim da lagoa.
À
noite, a vila iluminava-se graças à eletricidade das moreias, e
tudo em volta havia grandes lumes para afastar bestas selvagens e
maus espíritos. Jantava-se cedo porque de manhã também se
levantavam muito cedo, mas antes de dormir costumavam levar uma
oferenda de comida e flores aos espíritos das montanhas, para que os
protegessem. Parecia que os celtas dormiam sem nenhum problema, mas
nós não nos acostumávamos a dormir no chão, com mosquitos, e a
ideia de que a ilha estava também habitada por espíritos, fossem
bons ou maus.