No último número revista ambientalista QUERCUS encontramos um artigo sobre ela. Foi a Montse, vizinha da Padeira, que escreveu.
REVISTA QUERCUS
Outubro 2011- nº 308
Em pé de luta
Ela chama-se Brites de Almeida, ainda que para nós, aqueles que moramos perto dela no bairro de Recatelo, em Lugo, é muito mais conhecida pelo seu nome de batalha aqui na Galiza, na luta pela defensa da natureza: “A Beldroega”. Porque Beldroega? A resposta é muito simples... A Beldroega é uma planta muito forte e muito dura, que cresce espontaneamente nos campos no verão, e da qual, mesmo assim, podemos tirar muito proveito.
Dizem as más línguas que “a Brites era feia e vestia-se mal” e que, mesmo assim, “teve sete amantes castelhanos que escondia no formo...”.
O certo é que Brites de Almeida não foi uma mulher vulgar. Era feia, sim, com os cabelos crespos e muito, muito forte. Não se enquadrava nos típicos padrões femininos. Nasceu em Faro, de família pobre e humilde, e desde mui nova, aprendeu a manejar a espada e o pau com tal mestria que depressa alcançou fama de valente.
Apesar da sua temível reputação, houve um soldado que, encantado com as suas proezas, a procurou e lhe propôs casamento. Ela, que não estava interessada em perder a sua independência, impôs-lhe a condição de lutarem antes do casamento. Como resultado, o soldado ficou ferido de morte e Brites fugiu de barco para Castela com medo da justiça.
Mas o destino quis que o barco fosse capturado por piratas mouros e Brites vendida como escrava. Com a ajuda de dois outros escravos portugueses conseguiu fugir para Portugal numa embarcação que, apanhada por uma tempestade, veio dar à praia da Ericeira. Procurada ainda pela justiça, Brites cortou os cabelos, disfarçou-se de homem e tornou-se almocreve. Um dia, cansada daquela vida, aceitou o trabalho de padeira em Aljubarrota.
Como vemos, trata-se duma mulher muito lutadora, brigando pela sua independência como uma das primeiras feministas da historia, uma mulher que se revoltou desde rapariga contra o rol que a sociedade lhe quis impor. Lutou também contra a escravidão e a trata de mulheres que, depois em Lugo, se tornou em luta contra a violência de género.
Vivendo como padeira em Aljubarrota, o dia 14 de agosto de 1385 amanheceu com os primeiros clamores da batalha, e Brites não conseguiu resistir ao apelo da sua natureza. Pegou na primeira arma que achou e juntou-se ao exército português que naquele dia derrotou o invasor castelhano. Chegando a casa cansada mas satisfeita, foi acordada por um estranho ruído: dentro do forno havia sete castelhanos escondidos. Brites pegou na sua pá de padeira e matou-os logo ali. Tomada de zelo nacionalista, liderou um grupo de mulheres que perseguiram os fugitivos castelhanos que ainda se escondiam pelo lugar.
Claro que a sua história não acaba na época da Batalha. Ao que parece, quando fez 40 anos conheceu um lavrador de Lugo, na Galiza, que a admirava muito e quis casar com ela.
Foi assim que ela veio a morar na nossa vila, e foi assim que começou, logo de morrer o marido, uma nova luta, empenhando-se em defender os nossos montes da superexploração eólica; as nossas montanhas das letais pedreiras; berrando contra um governo que permite plantas de gás ao pé do mar; contra as pessoas que pescam trutas com lixívia, que de noite matam javalis no laço ou pegam fogo aos nossos montes...
Porque, como ela dissera numa das ultimas aparições em público: “Eu apenas sou mais uma entre milhares de pessoas que estamos hoje a defender e construir o nosso habitat sociocultural e o nosso contorno biológico, porque o inimigo agora são as pessoas ou coletivos que agridem esse bem comum, essa natureza que é de todos”.
Ela, Brites de Almeida, a Beldroega, a padeira de Aljubarrota, morreu há dois anos, mas graças ao seu legado e a sua força ... a luta continua!.
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