terça-feira, maio 10, 2011

Trancoso

TRANCOSO
Ramiro Álvarez Fernández


As sardinhas eram doces: não eram de mar, mas de confitaria. Não tão saborosas como o bodo de arroz das manhãzinhas, mas foram o indicador de estarmos em Trancoso.

A porta estava aberta. A não estar, eu não ousaria entrar naquela fortaleza. Tanta pedra, tanto esforço guerreiro pelo adarve, tanto ruído de lutas acabadas há muitos séculos…

No largo da Câmara Municipal, o Bandarra tranquilizou-me. O seu pé plantado na pedra, os braços sobre o joelho e o semblante de comunicar que não há pressa; o Rei D. Sebastião há de voltar e a história seguirá o seu percurso. Entretanto, para que preocupar-se, para que afanar-se se o mundo nao é mais do que uma miragem?

Obrigado, Bandarra.

Da igreja passei para o bairro judeu: o poço da água que tira a sede para sempre (ou seriam as águas do esquecimento?), as casas de pedra e os inevitáveis cães que mesmo não olham para um, como para fazer-lhe ver a sua insignificância neste pedaço de história que é Trancoso.

E lá, no cume, o castelo; a torre de menagem, que castelo é toda Trancoso. A vertigem da subida, a carícia da aragem no alto. Não há inimigos à vista. Podemos regressar.

Uma Coca Cola no largo da igreja. Não são as águas que tiram a sede para sempre nem as do esquecimento perpétuo, mas está mesmo boa.

O que fará um “multiusos” de aspeto ultramoderno contrapondo a sua insolência à venerabilidade das pedras do castelo? E, aliás, ao pé da capelinha que comemora o casamento da rainha Santa Isabel com um rei de Portugal (ele me perdoe a minha ignorância do seu Nome).

E, ao pé da capela, como um milagre, a história dos grelos à pobre, contada pela mulher que recebeu parabéns por viver numa terra tão formosa, quando a tal não era a sua terra; que vivia da ilusão do espanhol que lhe iria comprar a casa, que não acaba de chegar e que, por não ter vesícula, não pode gostar da sua própria receita dos grelos à pobre.

O autocarro: fotos e fotos de muralhas, pedras, terras, gentes… se fosse verdade que nas fotos fica presa a alma do retratado…

Ou, tal vez, foi minha alma a que ficou por Trancoso, a experimentar os grelos…

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