Para imergerem na leitura deste texto do nosso caríssimo Ramiro Álvarez da turma do Básico Integrado das 16h00.
Um MUITO OBRIGADO por nos permitir sentir essa Lisboa íntima e saudosista.
Baptismo de Fado.
O que fazer?
Domingo de noitinha com as saudades todas da viagem, as da já feita e as da por fazer; as da viagem pelos caminhos tortos da vida, as dos caminhos errados que não têm volta, as dos que não se colheram e as dos que já não resta tempo de colher. Noitinha de domingo, trovoada no céu e trevas na alma. É preciso um refúgio, fronte à chuva que se desaba, fronte as saudades que me alagam.
Eis que o localzinho me chama: “O velho páteo de Sant’Ana”. A chuva e os relâmpagos não me deixam opção e, de todos os modos, em algúm lugar hei-de jantar. Entro no páteo: luz de candeias e móveis velhos; alguma sombra nos cantinhos, flores nas mesas, silêncio no ambiente. A minha alma quer sentar-se; está muito fatigada.
Deram-me mesa ao pé do tablado; convidado de honra ou pobre saudoso a afugentar pesares. E o fado será remédio para eles? Os músicos já chegaram e aí vem a sacerdotisa do ritual, elegante vestido preto e garbosa mantilha aos ombros. A cerimónia é que vai começar.
Ai, esse timbre de guitarras de fado, esse som de violas, este vinho que reconforta, esse silêncio sobre os murmúrios das sombras e essa voz, essa voz doce e forte que enche o espaço todo. É o fado que começa.
Vielas da Alfama, amuradas de marinheiros, varinas e rosas brancas desfolhadas; gentes que partem e tempo que fica eterno. E aquela estrofe cantada com um sentimento muito especial: “Se eu soubesse que morrendo// tu me havias de chorar// por uma lágrima tua// que alegria// me deixaria matar”.
O conjuro era para mim. Obrigado, menina fadista.
E fui sombra no meu cantinho e saudade em quem sabe qual peito e candeia em todas as mesas e gemido de guitarra. E fui fado...
E a trovoada acalmou-se.
De volta de Lisboa, a 3 de abril, 2012
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