segunda-feira, fevereiro 08, 2010
RETALHOS PARA A LEMBRANÇA DO JESUSALÉM
Não chegamos realmente a viver durante a maior parte da nossa vida. Desperdiçamo-nos numa espraiada letargia a que, para nosso próprio engano e consolo, chamamos existência. No resto, vamos vagalumeando, acesos apenas por breves intermitências. Uma vida inteira pode ser virada do avesso num só dia por uma dessas intermitências. Para mim, Mwanito, aquele foi o dia. Começou de manhã, quando saí de casa para enfrentar uma ventania que, por todo lado, fazia subir redemoinhos de poeira. Os turbilhões rodopiavam em caprichosas danças e, depois, se extinguiam de forma tão fantasmagórica como haviam surgido. As copas das grandes árvores varriam o chão enquanto pesados ramos se desprendiam para se estatelarem com fragor. Jesusalém, Mia Couto, página 123-4.
quinta-feira, fevereiro 04, 2010
CENTÕES (com versos de Rosa Alice Branco) - CAMINHOS?...
CAMINHOS NA CERTEZA DA ÁGUA
É preciso dizer :
O único sentimento é a água.
É ainda o marinheiro,
na tua ausência,
aproxima o olhar
Corre sobre as águas .
é uma ideia ,
um despego de tudo.
Agora caminhamos juntos. Sem memoria
Sobre ela.
O viajante sem sombra
há-de -perturbar-me sempre.
Desmantelo o tempo . Tu apareces
onde um rio canta .
Desenho a minha ausência
E saberás que escrevo com e sem palavras
em voo rasante sobre nada.
Mas quando chegas o corpo não tem peso
Antes não era eu . Nunca estava dentro
Deixo as tuas mãos inteiras para que saiam
Mas não são as tuas mãos , e isso me falta ser.
Porque não sinto agora o que já sei ?
Que a palavra é o muro que nos separa das coisas
Olho o rio e não sei fingir que finjo tanta mar
em cada peixe
como barca aberta ás águas oceânicas
nua
pela sombra da lua quente.
Ontem saí para a rua e dancei com todo o meu corpo
e o meu corpo parece um sim erguendo-se
como quando o vento se levanta no mar .
O vento agita e o vazio canta
como um vicio agarrado ás raízes da mão.
Com as letras na ponta dos dedos
O meu amor da-se em palavras.
O aroma da língua.
Os meus dois olhos não sabem
o que não sabíamos . O que falta ao texto .
É por isso que devemos saber escutar.
antes de aterrarmos num verso .
Cozinhando bodas de palavras
CENTÕES (com versos de Rosa Alice Branco) - A PALAVRA E O AMOR
Contigo sinto “nós”
“Nós” e aqui.
Somos o que restou da última viagem
quando conspiramos no silêncio.
Agora caminhamos juntos. Sem memória.
Quando um poema surge inesperadamente
um milagre acende o gesto que se perde na distância.
Tu és o meu gerúndio, a negação do tempo
e saberás que escrevo com e sem palavras
no teu corpo que só era coração
Desmantelo o tempo. Tu apareces
a arrumar os papéis ou desabotoar-me o vestido.
Os teus olhos vagueariam por mim como se eu fosse
de luz.
E soube que estava para lá da esperança
É assim que se ama.
O meu amor dá-se em palavras.
Qualquer palavra tua me desenha.
Dedico-te o espirito leve de tinta,
pelas palavras com que me acaricias.
A crença da palavra prometida
há de perturbar-me sempre
o coração.
Deixa-me atravessar a noite que falta
absorvendo da terra suspiros de alegria.
Ajuda-me a ser a tua sede
Dorme comigo. Agasalha-me as noites.
Começo uma coisa inteiramente nova como uma clareira,
nesse agora instante,
infinitamente distante das nossas percepções confusas.
CENTÕES (com versos de Rosa Alice Branco) - ERÓTICO-AMOROSOS
Castelos, príncipes, borboletas. Vamos perdendo.
Dorme comigo. Agasalha-me as noites.
Imperfeito como ao amor convém
bebemos e falamos como se a vida fosse eterna.
Agora vou soletreando becos sem saída.
Não te importes amor.
Não te importes se estivermos ocupados
a arrumar os papéis ou desabotoar-me o vestido
porque resistimos à burocracia e ao cansaço.
Não te importes amor se hoje te amo tanto.
São horas. Levo a minha pele à rua.
Uma fome real de pão e do teu corpo.
É assim que se ama.
Contigo sinto "nós".
Com que alimento a imaginação?
É por isso que devemos saber escutar
o aroma da língua,
o coração
e os nossos beijos são a língua delirante do poema.
Não te importes amor.
terça-feira, fevereiro 02, 2010
CENTÕES (com versos de Rosa Alice Branco) - METAPOESIA
Quando o poema surge inesperadamente
nesse agora instante
coberto de poesia
absorvendo a terra suspiros de alegria.
Antes de aterrarmos num verso
com as letras na ponta dos dedos
Eu e o meu nome caminhamos juntos
as letras, umas ao lado das outras, solidárias.
Desmantelo o tempo. Tu apareces
Estás tão diferente. Não percebo o pintor que
o espaço, o tempo e o poema desaparecem.
E saberás que escrevo com e sem palavras.
Bebemos e falamos como se a vida fosse eterna.
Somos o que restou da última viagem.
CENTÕES (com versos de Rosa Alice Branco) - INTIMISTAS
Desenho a minha ausência
um desapego de tudo
a sagrada beleza da coisa inexistente
e depois do túnel ter desaparecido no tempo
como barca aberta às águas oceânicas
o único sentimento é a água
sem salvação.
Desmantelo o tempo.
Castelos, príncipes, borboletas. Vamos perdendo
onde estão quando procuro no silêncio.
Deixa-me atravessar a noite que falta
pela sombra da lua quente
o vento agita e o vazio canta
eu voo rapante sobre o nada.
Dorme comigo. Agasalha-me as noites
só um rio continuará correndo, só umas mãos eternamente vivas.
Cada poro é uma ponte, o lugar habitado
o que penso ser a minha vida em duas horas.
Amor à tardinha, com a vida desarrumada.
Antes não era eu. Nunca estava dentro,
os meus sonhos não eram de ninguém
no meio da gente, tudo era secreto, cúmplice.
Porque não sinto agora o que já sei?
A flecha parte e nunca chega,
o viajante sem sombra
porque até a tristeza tem custo, uma esperança.
Dentro de um homem onde vivia eu,
como dispor as pedras
com que caminho de olhos lentos. Entro no mais belo
de mansinho porque mesmo o infinito
somos o que restou da última viagem,
desaparece em pequenas nadas,
rebenta em minúsculos peixes
a relva da minha infância em forma de trapécio
porque resistimos à burocracia e ao cansaço.
MARIA M. (Básico 1)
Antes não era eu. Nunca estava dentro
em voo rasante sobre nada
e os meus sonhos não eram de ninguém.
Castelos, príncipes, borboletas. Vamos perdendo.
Quando me esqueço
que me esquecerei de desejar
os meus dois olhos não sabem
desvanece em pequenos nadas.
Sem salvação
eu e o emu nome caminhamos juntos
é por isso que devemos saber escutar
e depois do túnel ter desaparecido no tempo
onde estou quando procuro no silêncio
infinitamente distante das nossas percepções confusas.
CENTÕES (com versos de Rosa Alice Branco) - AMOR
Quando te foste ainda não sabia que voltavas.
Depois esquecia a idade que tinhas e a que temos.
E saberás que escrevo com e sem palavras,
com as letras na ponta dos dedos.
Desmantelo o tempo. Tu apareces
existente, alegre,
absorvendo da terra suspiros de alegria.
Mas quando chegas o corpo não tem peso,
acaricias o meu pulso com palavras
e a tua pele desliza sobre a minha.
Contigo sinto "nós".
Tudo o que queria saber estava na tua língua,
pelas palavras com que me acaricias.
"Estarás sempre comigo".
É assim que se ama.
TERESA N. (Intermédio 1)
Quando te foste ainda não sabia que voltavas.
Partiste para estares mais próxima,
onde estás quando procuro no silêncio
só o silêncio.
Ontem sai para a rua e dancei com todo o meu corpo
depois esqueci a idade que tinhas e que temos.
Ontem era o rio ao entardecer, o olhar que acaricia a luz.
Um milagre acede o gesto que se perde na distância
nesse agora instante.
Infinitamente distante das nossas percepções confusas
quero adormecer na cama dos teus olhos
ondulando entre as dunas
na alegria do vento.
Existente, alegre
começo uma coisa inteiramente nova como uma clareira,
contigo sinto "nós",
"nós" é aqui.
CLÁUDIA R. (Intermédio 1)
Desmantelo o tempo. Tu apareces
no meio da gente. Tudo era secreto, cúmplice
enquanto passeamos pelas ruas.
Antes não era eu. Nunca estava dentro
e os meus sonhos não eram de ninguém.
Quando te foste ainda não sabia que voltavas,
agora caminhamos juntos. Sem memória
bebemos e falamos como se a vida fosse eterna.
Não te importes amor.
Não te importes amor se hoje te amo tanto.
É assim que se ama.
Dorme comigo. Agasalha-me as noites,
para mais um dia. Só o coração dilata o tempo.
É preciso dizer:
"estarás sempre comigo".
ÚRSULA P. (Intermédio 1)
Quando te foste
ainda não sabia que voltavas
um milagre
acende o gesto que se perde na distância.
Bebemos e falamos
como se a vida fosse eterna
Depois esqueci
a idade que tinhas e a que temos.
Contigo sinto "nós"
"nós" e aqui
acaricias o meu pulso com palavras
mas realmente é
só no silêncio
que eu sinto "nós".
ANGELES M. (Intermédio 1)
Desmantelo o tempo. Tu apareces
Agora caminhamos juntos. Sem memória.
Antes não era eu. Nunca estava dentro
onde estou quando procuro no silêncio
-Quero adormecer na cama dos teus olhos.
Tu és o meu gerúndio, a negação do tempo.
Dorme comigo. Agasalha-me as noites
com as pétalas abertas do teu nome.
Cada poro é uma ponte, o lugar habitado
Não te importes amor
Não te importes se for outono. Nunca pensaremos.
Às vezes a noite estende-se através da pele,
quando conspiramos no silêncio.
Contigo sinto "nós"
É assim que se ama.
Não te importes amor se hoje te amo tanto.
IRIA P. (Básico 1)
Quando te foste ainda não sabia que voltavas
agora caminhamos juntos. Sem memória
absorvendo da terra suspiros de alegria
acaricias o meu pulso com palavras
Tu es o meu gerúndio, a negação do tempo
onde estou quando procuro no silêncio
a relva da minha infância em forma de trapézio
depois esqueci a idade que tinhas e a que temos.
Quero adormecer, na cama dos teus olhos
sempre os mesmos olhos a desmantelar
não te importes se for outono. Nunca pensaremos.
É assim que se ama
quando conspiramos no silêncio
bebemos e falamos como se a vida fosse eterna.
ANTÓNIO P. (Básico 1)
Todos os amantes. Invento passos e palavras
desmantelo o tempo. Tu apareces,
a tua mão interior a inventar a pele,
amor à tardinha com a vida desarrumada
Quando te foste ainda não sabia que voltavas.
Ajuda-me a ser a tua sede.
Às vezes a noite estende-se através da pele,
deixa-me atravessar a noite que falta.
Agora caminhamos juntos, sem memória;
antes não era eu. Nunca estava dentro.
Abraça-me com essa letra que se alonga,
descansa da luz e do silêncio.
O que penso ser a minha vida em duas horas...
Para mais dum dia. Só o coração dilata o tempo.
CENTÃO A MODO DE EXEMPLO
A vida
Não vale a pena e a dor de ser vivida.
Os corpos se entendem mas as almas não.
A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.
Vou-me embora p’ra Pasárgada!
Quero esquecer tudo:
— A dor de ser homem...
Este anseio infinito e vão
De possuir o que me possui.
Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei...
Na vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Morrer.
Morrer de corpo e alma.
Completamente.
(Todas as manhãs o aeroporto em frente me dá lições de partir.)