quarta-feira, novembro 10, 2010

MAIN STREET, um texto sobre a Irlanda, em português e em inglês



Joám Guitiám Carril, da Corunha, aceitou o convite de colaborar com Portuluguês, o mais bretemoso blogue do nordeste da Galiza. Ficamos gratos por esta gentileza do além-Costa do Sal.

"Main Street", em versão portuguesa e inglesa, leva-nos à rua principal de Port Laoise, vila chairega da Irlanda, onde o nosso colaborador morou por um tempo.

MAIN STREET

Há quem diga que há um só caminho em Portlaoise que pague a pena percorrer: The Main Street (a Rua Principal). Se isso for certo, será logo como topar uma longa cobra com a cabeça metida numa toca onde deita o seu veneno. The Square tem presa a serpe pola queixada e perante ela abre-se o negrume da costa abaixo do seu abdome, espinha e estômago da vila chairega. Como nas mitologias mais antigas, o animal que encarna o conhecimento apousa a língua perante a pedra dos templos dos deuses: a igreja protestante e as sés vernáculas dos sanedrins dos velhos bebedores.

Fermosa e escura num canto fica a pedra calcária dos olhos da serpe: a igreja protestante, cabeça já baleira do corpo animal de Maryborough. Alouminha mansinha o seu sono de séculos escuros e pentea os cabelos grisalhos com a confiança de uma matriarca abafante que já tem visto morrer Edipo e mais Agamennon.

Sempre a fitar o pouso escuro do tempo, demora ainda mais um bocadinho na companha dos homes do alto tribunal do Sanedrim, saduceus de óculos embaçados por cerveja escura, senhores duma terra onde corre o uísque polas veigas e as maçãs verdejam até o mes do Natal. Eles tenhem a chave do moinho que mói a lenda das palavras, o seu trouso afiado em noites de “poteen” e baladas rebeldes debulha no disco da memória o teu fio para entrares no labirinto – o facho na mão do caminhante que vai ser digerido pola gorja do ofídio.

Onde ainda há cairos dum mármore no qual alma nenhuma joga o dominó, há bebedores de corridas de cavalos com nomes de pégasos da estepe russa; tabernas com apelidos de olá e adeus (Welcome Inn), balcões longos feitos com curraghs de almas perdidas, marinheiros da chaira que bracejam no mar escuro da cerveja; velhos nomes de clã (O’Donoghue’s) a piscar o olho a brasões gentílicos da esmorga (Portlaoise Arms).

Quando os homes tenhem de pagar ao barqueiro a sua passagem à noite polo rio da Main Street, fazem-no com umas moedas grandes e com cervos hasteados como aqueles que nas cantigas desciam beber água à fonte na qual a mulher lava os cabelos. Os barqueiros tenhem por nome Ryan, Delaney, Egan, Bergin. Os cervos ajuntam-se ao sol-pôr e as mulheres já os estão a aguardar na ribeira do Lethean ou Down by the Sally Gardens “my love and I did meet…She bid me take love easy, as the leaves grow on the tree; But I, being young and foolish, with her would not agree.”

No devalar da longa serpe de pedra há dous marcos entre os mundos da terra e mais do céu. Pola banda dos homes do solo e água escura está o Nino’s, coração da Roménia na chaira gaélica, que traz bacalhau e até poderia trazer congros contra a corrente morna do Shannon, para embrulhá-los com patacas em papel gordurento a encher o oco da memória da fome. No campo das estrelas, onde a velha Court House, há outra classe de farturas: a dum teatro e a do papel escrito… o Last Playboy of the Western World revivido num cenário que respira por todos os sotaques, o Hiberno-English de todas as gorjas, em todos os bares, nas escolas, na casa do caminho-de-ferro e até nos pés nus dos novos Christies romaneses da berma do mundo conhecido.

No fim, no fundo da rua, u-los bares rijos com homes com pedras nos olhos (Ryan’s)… moram as lâmias e mais os homes marinhos, a dançarem incansáveis em fragas com bilhas de sidra (Club 23). Ali onde a cobra se troca em crótalo a agitar um guizo seródio para os homes com ferramentas nas mãos a caminho de um trabalho, ou outro, como os pedreiros que erguem de novo o castelo d'el-rei em Cashel (com a música de Jazz nos ouvidos). Deixam trás de si um recendo a turba nas lareiras e as janelas abertas na homenagem à derradeira procissão funerária dum O’Hagan ladrão que por tantas veces as tinha quebrado sem eles estarem nas suas cadeiras ao pé do lume.

Abrente, alba queda. Estantia, golsada sobre a rotunda que leva ao mar, ao Mental Asylum, a cadeia mãe de trabalhos… está a igreja católica de Saint Peter, fim do caminho do qual alguns dizem ser o único que vale a pena ter percorrido. Aqui a serpe já tem mudado a sua pele de escamas: da caliza polida do Square a um humilde muro de tijolo, esconderijo do credo romano. Nela a nosa estirpe de bebedores da chaira remói nesse rodízio de culpas, cera e mais incensários o longo e degoirado ciclo que é a passagem do tempo: o rosário encetado de nove ondas, numa ladainha eterna a chamar por todos os vivos e mais todos os mortos.

MAIN STREET

Some say there’s only one street in Portlaoise worth walking, and that’s Main Street. That being the case, this road is like a long cobra, sinking its head into a burrow and spilling out its venom there. Snared at the chin by The Square, downwards and away slopes the blackened body of this snake, backbone and belly of the midlands capital. As it was in the oldest legends, the serpent of knowledge sweeps with its tongue the stone temples of the gods: the Protestant church, and the local cathedrals of ageing drinking men.

Darkling and beautiful, out of the shadows the limestone eye of the asp keeps watch over the Protestant church, abandoned head of the living being that was Maryborough. Gently stroking the dreams of dark ages, she combs her grey hair through with a sure touch; majestic and beautiful, she has seen Oedipus die, and Agamemnon.

Cloudy dregs of time, behold them still, and sit a while among the sanhedrists of the public house: Sadducees fog-eyed from the black stuff, men from a land where whiskey flows in the fields and the apples go on ripening into the month of December. They hold the key to the word-mill that grinds out legends. Their spindles, tapered sharp by evenings passed in poteen and rebel song, wind into distaff memory the thread to guide you through the labyrinth; snake-throat dark takes the light carried in by the traveller.

Here, the marble dogteeth of a dominoes board that no-one plays; horserace drinkers watching Russian-named Pegasuses; public house surnames of hail and farewell (the Welcome Inn), and long bars made from the curraghs of men that were lost; seamen of the midlands flailing in a sea of beer. Old clan names (O’Donoghue’s) bend an eye across the way on the blazonry of their carousing forefathers (the Portlaoise Arms).

When the time comes for the high council members to pay the ferryman their night passage down Main Street, large coins are produced, coins embossed with the kind of antlered deer that the folksongs would have sent to drink by the fountain where a woman was washing her hair. The ferrymen are called Ryan, Delaney, Egan, Bergin. Evening draws in and the roedeer crowd around, and all the while women wait on the banks of the Lethean; or down by Sally Gardens… where my love and I did meet: “She bid me take love easy, as the leaves grow on the tree, But I was young and foolish, and with her did not agree…

Two points on the ebbing curve of the cobra mark the boundary between this world and the heavens. On the side of men, mud and the murky waters is Nino’s, Latin soul of the Gaelic heartland, bringing cod up the warm stream of the Shannon (conger eels, too, if he could), to wrap them with chips and wads of greasy paper, and fill the gap left by a memory of famine. In the field of the stars, where the old Court House lies, there is dissipation of a different kind: that of a theatre and the written word. Last Playboy of the Western World brought to life on a stage where every accent breathes the Hiberno-English in every mouth; in every bar and in every school, in the station house, right down to the shoeless feet of new Romanian Christies come from the edges of the known world.

At the end of the street, tail and terminus of the snake, lie the rough bars and the rock-stared men (Ryan’s); there where the sea-nymphs and seamen dance their tireless sets and knock back flagon after flagon of cider (Club 23). There, too, is where the cobra turns rattlesnake and with a lazy shake of its rattle salutes the men on their way to work, tools in hand, or the builders off to remake the castle of the King of Cashel (jazz music in their ears). They leave after them the smell of a turf fire and their windows open in homage to the dead thief O’Hagan, for all the times he broke in through them and the fireside chair empty.

Daybreak, first hushed light. Stillness soused over a roundabout that leads to the sea, the mental asylum and the prison employment hub. At the end of the way that some say is the only one worth walking, the Catholic church of St Peter. The snake by now has shifted its scaly pelt: from the worn limestone of The Square to the humble brick shelter of the Roman faith. Inside, our race of drinkers from the plains grind out in this rackwheel of guilt, wax and incense the long, obsessive cycle that is the passage of time: the half started rosary of the nine waves, in an interminable litany calling for the souls of the living and the souls of the dead.

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