quinta-feira, maio 05, 2011

MANAUS (Macrorrelato)


Emilio Carral (1º de avançado)

A rua cheia de gente. O sol hoje nascera muito cedo – porém, não acordara com a força da primavera amazónica. Decidi levar o chapéu na mão e desci pela avenida Eduardo Ribeiro. Queria chegar ao bar Caldeira, onde o meu amigo Afonso me esperava às quartas e às quintas, muito cedinho, diante do café preto da senhora Caldeira. Um café de espessura e cor muito parecida com a da borracha já aquecida, longe da sua mãe seringueira.

Deixei o meu prédio perto da rua Ramos Ferreira e fiquei a olhar para adiante. Não tinha certeza de querer atravessar a Praça do Congresso. Não ficara terminada, e a terra e o cimento invadiram o ar. Decidi virar à direita, visitar o bar França Cipriano, e beber o primeiro copo de aguardente olhando para a pequena Praça da Saudade.

  • Bom dia, Cipriano.

  • Boa manhã, senhor arquiteto. Hoje é o dia.

  • Com certeza, amigo Cipriano.

Mas necessitava o copo, partilhado com o Cipriano, para ter a certeza completa. O Cipriano encheu o copo com água de cana até à metade, e depois deixava cair, devagarinho, a água fresca e transparente do Amazonas. A água borbulhava em contacto com o álcool, e ficava no fundo sob o nevoeiro formado, para depois ascender, mexer-se por todo o volume do copo, e desaparecer completamente.

Eu peguei no copo, e o Cipriano no seu, com mais Amazonas do que cana.

  • Que não caia – dissemos os dois.

Os copos ficaram vazios em cima da madeira avermelhada do balcão.

O adeus ficou pendurado na porta e, já decidido, desci pela Avenida Ramos Ferreira até à Praça do Congresso. Mas quando estava a descer em direção ao velho forte de São José da Barra, fiquei parado. A primeira Avenida do Velho Lugar da Barra, que ocupara o antigo pântano, parecia prestes a deixar escapar as bolhas de gás presidiárias da obra do homem. Mau sinal.

Olhei para o céu, e o sol não acordara como nos outros dias da primavera. Não tive a certeza de que fosse o dia próprio. Mudei o pensamento, mudei a direção, e entrei na rua Coutinho, longe do destino imediato. Alonguei o passo para a Dez de Julho, sob a sombra da borracha virgem e oculta, até chegar à esquina com a José Clemente.

Na quadrícula perfeita das ruas, as palmeiras caribenhas substituíam as seringueiras. As flores pequeninas, as folhas múltiplas de um verde brilhante e com fortes nervos, e que faziam companhia aos prédios de dois andares, foram trocadas pelas palmeiras magras, compridas, e de pouca largura, que deixavam as janelas nuas.

Quanto eu tinha falado com o arquiteto da Prefeitura a respeito da mudança da paisagem urbana! Se calhar a excessiva altura da palmeira, se calhar o incómodo e impróprio dos frutos no chão, mas a Prefeitura decidiu seguir adiante. Quem resolveu foi o Vereador, o senhor José Henriques de Mato Cunha Campos, dono do maior negócio de importação-exportação de plantas para jardim do Amazonas.

Eu segui em frente sob a sombra extraterrestre da Palmeira das Caraíbas. Quando abri a porta do Bar Caldeira, ao final da rua, noutro ponto da quadrícula urbana de Manaus, já Afonso estava sentado na sua cadeira de todos os dias, por trás da mesa, segurando a parede com o lombo, deixando o vapor do café flutuar sob os seus pequenos e metálicos óculos. Eu sentei-me. Afonso levantou os olhos sem mover a cabeça, aspirou o ar quente, e ficou novamente a olhar para a xícara.

A senhora Caldeira deixou à minha frente outra chávena idêntica, com o mesmo fume e o mesmo cheiro, sob a minha barba de quatro dias. Eu também fiquei a olhar na mesma direção, mas estava a ver uma taça de borracha espessa e dura.

- Chiça -, eu disse. Mas depois de dois segundos, um intenso raio de sol iluminou a mesa. A borracha desaparecera e o formoso café aparecera. O sol acordara e o Amazonas e Manaus voltaram. Eu e Afonso engolimos e levantamo-nos, vestimos os nossos chapéus, e o Afonso colocou os olhos no nariz. Ficamos parados na porta. Olhamos para o céu, e ali estava: o bom sinal, o sol de todas as primaveras amazónicas. Saímos para a avenida Eduardo Ribeiro.

Começamos a vê-la pela parte de atrás, não pela entrada principal. Tenhamos medo da surpresa. Ali ficava a apanhar todo o sol que hoje, com muita preguiça, acordara um bocadinho tarde. O sol agasalhava-a com certeza, mas ela refletia com segurança raio a raio. Continuamos pela avenida, paralela ao edifício, já a estrada estava livre de seringueiras.

Chegámos à Praça de São Sebastião e à sombra do monumento à Abertura dos Portos, sob o braço da Mulher de Pedra, molhando-nos com as ondas sonhadas do chão, e no centro das seringueiras, olhamos definitivamente para o nosso destino. A grande cúpula do Teatro Amazonas. A minha obra, a obra do português, e a do meu amigo Afonso. A cúpula presidia ao edifício da Ópera, a praça e as seringueiras cheias de látex virgem, que tanto ajudara na sua construção, quando fora transformado na muito apreçada borracha. Afonso tirara o chapéu, agora tirou os óculos, e do seu magro e muito comprido corpo, abraçou-me. A nossa grande obra, pronta para a inauguração, já estava a fazer parte da Amazónia.

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