Em 2008, o Instituto Camões e o departamento de português da EOI Lugo organizaram um ato de apresentação do filme A Outra Margem, para o qual contamos com a presença do realizador Luís Filipe Rocha. Dois anos depois, algumas alunas de avançado II escrevem sobre o filme.
A TEMÁTICA E A SIMBOLOGIA NO FILME A OUTRA MARGEM
Tareixa de Castro - Avançado II
Primeiramente, devemos de assinalar a riqueza temática e simbólica desta obra do realizador Luís Filipe Rocha. Os conteúdos principais são três: a homossexualidade, a deficiência e a maternidade em solidão. Eles apresentam-se interligados para conformarem o tema geral: a dificuldade de ser diferente.
A homossexualidade, com os seus preconceitos, é abordada na personagem do Ricardo e do seu amigo e colega brasileiro, Luís. O primeiro demora a admitir a sua orientação sexual e nunca a reivindica perante a sua família. A outra face da moeda está representada pelo brasileiro, quem se manifesta sem complexos e sem dúvidas. A perspetiva utilizada para desenvolver este assunto não é tanto a dos clichés da promiscuidade e a provocação, como a do amor e a amizade; embora apareçam também temas como o travestismo, a mudança de sexo, o gosto pelo trágico ou a sumptuosidade.
Quanto ao síndrome de Down, revela-se de forma totalmente verosímil no adolescente Vasco: seja pela sua alegria contagiosa e vontade vitalista, que afloram na sensibilidade para a música, o baile, o desenho ou o teatro; seja pela sua inteligência diferente, exprimida na picardia ou na sua especial capacidade psicológica, sobretudo com os doentes. Sem dúvida, o Vasco é o mais feliz e o estímulo de toda a família.
Num plano mais distante apresenta-se a maternidade em solidão, talvez mais aceitada do que procurada. Não obstante, ela é sempre difícil, particularmente após o abandono de responsabilidades do pai e com uma criança deficiente. A personagem da Maria representa de forma ótima esse papel de mãe responsável e generosa.
Há outros muitos conteúdos secundários relacionados com a ideia principal do filme, como a solidão ─ escolhida ou resignada─ , o trabalho rotineiro na oficina, o suicídio, o autoengano, a autocompaixão, a vingança e o culto do corpo.
No que se refere à simbologia, ela está muito presente, sendo especialmente produtiva. Assim, o fogo representa, no principio da obra, a erupção dos sentimentos negativos, nomeadamente da dor. No entanto, ele pode ser libertação, com a morte. Neste sentido, o Luís diz: “O fogo liberta os que partem e aquece os que ficam”. O espelho exprime a procura da identidade. As cinzas simbolizam a aceitação da morte, sobretudo quando se espalham pela natureza. A máquina de tecer indica involução, pois faz-nos recordar Penélope. O rio pode ser vida, paisagem, mas também manifesta a linha de separação entre os “normais” e os “anormais”; situação que está perfeitamente assinalada no diálogo a gritos entre pai e filho, ligados ou afastados pelo rio. A luz tem uma forte simbologia: o jogo de penumbra e claridade reflete os diferentes estados de ânimo; a cor vermelha revela a morte violenta, a sensualidade e a sexualidade. Por sua vez, a música não é menos significativa, pois apresenta-se combinada com a luz para exprimir tragédia ─ com o fado─ e alegria com os sons clássicos dos violinos. Também o carro tem alguma simbologia, pois é indício do desarraigamento do Ricardo, lugar para o sexo e meio de fugida. Além de tudo isso, fica a metáfora total, que é o título da própria obra. A outra margem é o lugar dos diferentes, dos não convencionais: dos homossexuais, dos deficientes, das mães solteiras, das noivas abandonadas, dos pais incompreensíveis ou incompreendidos...
Após conhecer temas e símbolos, poderia parecer que estamos perante um filme triste e pessimista. Não é o caso. Há uma progressão vitalista, resultado da relação entre o depressivo tio Ricardo e o otimista sobrinho Vasco. Eles alcançam a margem da ilusão do rio que não se vê, mas está perto.