sábado, maio 21, 2011

OS DESENHOS E OS CORPOS DANÇANTES

Emílio V. Carral Vilariño (1º de avançado)

Eu acordei como sempre. Os meus olhos preguiçosos, bocadinho a
bocadinho, foram abrindo-se para a manhã, e ficavam imóveis para o
espaço nu ­ mas somente vazio até quando eles receberam o esquisito
fenómeno.

Eu, sem mexer-me, sob os cobertores, olhara dia trás dia sem perceber
o processo. Corpos estranhos, diminutos, apareciam e desapareciam nos
limites dum estreito e cumprido raio de luz. A janela, fechada, era
incapaz de deter a invasão. Corpos miúdos, em pedaços e aboiando em
oblíquo. Milhares deles de origem desconhecida. Corpos magros,
dançantes, estranhos moradores num quarto pequeno, somente ocupado
pela cama, a mesa de galo e a velha cadeira agasalhada pela roupa,
perto da porta também fechada.

Eu fiquei imóvel, a olhar para eles, como todos os dias, mas algo não
se repetia como sempre. Permaneci hipnotizado pela dança dos
microcorpos, cada vez mais perto de mim, mas não ouvi os ruídos da
cozinha. Não ouvia o barulho de todas as manhãs. Nenhuma voz, nem a da
minha mãe nem a da minha avó. Fiquei preocupado, desci um bocadinho
mais sob as mantas e olhei para o teto. As bocas cresceram desde o dia
anterior à noite. Os olhos, cada vez maiores, queriam chegar até ao
colchão, trespassando-me. O espaço vazio de proteção diminuía. Os
dentes e as garras dos animais caíam da madeira do teto e pairavam
devagarinho no ar, fazendo uma viagem para onde eu permanecia imóvel,
apenas protegido pela roupa da cama.

Eu desci e desci para a obscuridade do interior, por entre os lençóis
e os cobertores. Mas eu continuei a perceber como as bestas selvagens
se achegavam, percorrendo o espaço que pendurava do teto. Percebi,
sem vê-los, os seus deslocamentos desde as quatro esquinas. As
criaturas mexiam-se pela velha madeira de castanho, e já juntas no
centro geométrico do quarto, iniciavam a viagem para abaixo, ficando
eu como objetivo, como primeiro e derradeiro alvo da sua caçada.

E à minha beira as criaturas dançantes aproximavam-se. A janela,
completamente fechada, não impedia as vagas dos corpinhos, infinitas.
Já trespassaram as pequeninas defesas do cobertor, e começaram a
superar a derradeira opção de resistência dos lençóis, preparadas para
se inserirem definitivamente na minha pele e no meu organismo. A
porta, completamente fechada, impedia a fugida. Bocadinho a bocadinho,
a coluna de microcorpos girava e invadiam a cama. As bestas
agasalhavam-me com o seu bafo. E eu, como força final de resistência,
agarrava o travesseiro entre braços e pernas, como escudo colado ao
meu magro corpo. Inútil estratégia.

Acordei com o ruído, fiquei imóvel, reconhecendo o espaço e o tempo
familiar. Olhei para o teto. Ali estavam: o leão, o cão, aquele nariz
muito comprido. As nuvens, desenhadas pelo tempo e a humidade,
espalhavam-se ocupando toda a madeira do velho teto.

Virei a cabeça para a janela. Ali permaneciam as minhas pequenas
brincadeiras a flutuar no ar, no eixo em que o sol atravessava a
janela. Corpinhos de pó que todos os dias dançavam para mim.

E, por fim, o pequeno almoço a subir pela escada, e as vozes da minha
mãe e da minha avó, já tarde, na manhã de verão, como sempre.

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